A arte é um bem público
Do conceito e do nome da rua, acabou por surgir o nome da galeria: Galeria das Salgadeiras. Indo à definição de salgadeira e sabendo que o sal, além de conservar, é também um aditivo essencial à "vida", achei que este seria o nome que melhor representa o que se pretende fazer desta e com esta galeria. Uma salgadeira é, de facto, um recipiente onde se salgam "coisas" e aquilo que se poderá encontrar na galeria, são essas "coisas" que, à sua dimensão, pretendem dar alguma alegria a por quem lá entra. Haverá alguma coisa mais salgada do que a arte?
O objectivo da galeria é apresentar novos artistas, menos, pouco ou nada conhecidos, que tenham projectos inovadores e contemporâneos. Os trabalhos poderão ir desde a pintura à escultura (ainda que com algumas limitações de espaço, mas que podem ser, por isso mesmo, um grande desafio), desde a fotografia ao video, e acima de tudo, obras em que haja uma estética artística marcante e intensa. Obras que, no fundo, resultem de trabalho e que acrescentem alguma coisa ao que já existe. Os projectos e os autores podem vir e ser de outros mundos, de outras culturas, podem cruzar-se e criar simbioses entre várias formas de arte. Nas Salgadeiras pretende-se apresentar como se está na arte e o que se está a fazer nos inícios deste novo século.
Paralelamente temos como objectivo apresentar um artista mais conceituado e reconhecido trazendo, desta forma, outros públicos e cruzando gerações. Em nosso entender, esta estratégia é muito enriquecedora para os artistas que colaboram actualmente com a galeria porque lhes permite conhecer de perto outras escolas e ter um acesso privilegiado a outras formas de trabalhar. E também é enriquecedora para os nossos visitantes que podem apreciar, num mesmo espaço, diversas gerações da arte contemporânea portuguesa.
Gostaríamos de marcar uma diferença na atitude e na "maneira de sermos e estarmos", retirando a carga elitista que uma galeria pode ter. Uma galeria, por definição, é um espaço onde se expõe quadros mas que só faz sentido quando as pessoas que a visitam se sintam bem e confortáveis. Para criar esse ambiente, temos a preocupação de adequar cada exposição ao espaço da galeria e encontrar uma "banda sonora", por vezes escolhida pelo próprio artista, específica em cada apresentação. A galeria é, também ela, um espaço vivo que se transforma e adapta para cada exposição.
Por outro lado, a diferença que gostaríamos de criar está bem presente numa das bases deste projecto: "A arte é um em público". Ou seja, uma galeria é um espaço público por excelência onde quem nos visita pode ter um momento tranquilo, apreciar as obras expostas, descobrir novas abordagens e, por vezes, até descobrir qualquer "coisa" em si próprio. A arte tem sempre dois intervenientes: quem a faz e quem a recebe. E a partir do momento que é exposta ganha uma vida própria ou melhor várias vidas, consoante a pessoa que a vê e sente. Retomando a linha orientadora da galeria, pretendemos praticar o chamado preço justo e justo para as três partes envolvidas neste processo: artista, visitante e galeria.
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Ana Matos
Apresentação do conceito da galeria
Lisboa, Julho de 2003
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